O mundo moderno perdeu o senso puro da alegria. Porque
confundiu a alegria com o prazer. E tendo esgotado todos os prazeres, caminhou
para a morte e o aniquilamento.
A liberdade política transformou-se em liberdade moral e
essa criou a liberdade dos instintos. O subconsciente cresceu sobre o
consciente e clamou pelos seus direitos. Era o mundo ignorado, o segundo plano
confuso e impreciso que se trans¬portava ampliando-se como uma escuridão que
avulta sobre a inteligência.
Proclamada a libertação de todos os limbos desconhecidos,
entrou pela alma do homem moderno o tropel alucinante das formas de pensamento,
em estado de elaboração, fantasmal e trágico. O mundo subconsciente (caos
gerador ensaiando as expressões em lineamentos disparatados como fetos informes
e monstruosos) veio dominar o sentido da vida contemporânea com a violência de
forças brutais desencadeadas.
Forças sem governo, forças desordenadas, heterogêneas,
sem direção. Forças telúricas do mundo interior, amorfas, ne¬bulosas, de ritmos
fragmentários, dissociantes.
* *
*
O fenômeno que se dera com as antigas civilizações
arra¬sadas pelos bárbaros repetiu-se de maneira inversa, dentro do próprio
homem. Pois todo esse caos que a consciência disci¬plinava era contido pela
pressão de uma força exterior domi¬nadora. O século da máquina virou a alma
pelo avesso, por¬que, tendo-se esta libertado do que se denominou o
"terror cósmico", que mantinha o equilíbrio contendo a deflagração
das energias interiores, viu-se, subitamente, dominada pelos estra¬nhos duendes
larvais, dos instintos desenfreados.
A alma foi invadida pelos hunos dos seus próprios
re¬cessos...
A isso fora o homem levado pela sede de liberdade. Essa
liberdade chegou às suas últimas conseqüências. E de tal for¬ma, que o pobre
títere humano perdeu o sentido dela.
O homem já não sabe exatamente o que significa ser livre.
Pugnando pela progressão infinita do direito de se
afirmar e de agir, acaba negando a própria personalidade e adotando o senso do
coletivismo, aceita a subordinação do indivíduo à feição de umgrande todo
social.
Esse mesmo homem, que ergueu audaciosamente a cabeça para
negar a metafísica, e substituiu a teologia pela crítica, o espiritualismo pelo
materialismo, o sentimento da disciplina pela utilidade da disciplina, foi
prosseguindo de tal forma que aca¬bou por aceitar uma nova metafísica, criando
o deus-coletividade, o misticismo da negação, o cativeiro social em nome de uma
coisa tão vaga como o paraíso sonhado e uma humanidade mecânica.
*
* *
De sorte que o homem moderno retornou ao estado de
espírito anterior ao monoteísmo e à revelação cristã, para viver apavorado
diante dos elementos. Pois, se hoje já não treme diante dos trovões e dos raios
começa a tremer e vai até ao delírio, sentindo o rumor "freudiano" do
seu subconsciente em tropel, que ele procura decifrar através da psicanálise,
como outrora os povos primitivos procuravam conhecer o mundo ex¬terior através
dos seus sortilégios e superstições.
E, do mesmo modo que o troglodita recuava apavorado
diante de uma tempestade, o "gentleman" recua hoje atordoado diante
do seu próprio complexo, que é tão grande ou tão pe¬queno, ou pelo menos tão
incondicional à inteligência, como as complexas nebulosas no infinito do tempo
e do espaço.
* *
*
Quem ouvir um marxista, dos mais conhecedores da sua
doutrina, discorrer sobre a teoria dos movimentos e das relações da matéria,
sobre os processos dialéticos, sobre a concepção evolucionista da natureza,
ficará pasmado diante das abstrações a que a sua inteligência é conduzida e dos
planos metafísicos em que o raciocínio vai agir, usando da mesma força criadora
com que o homem da caverna, perdida a luz da graça, ideali¬zava os seus
primeiros deuses. E quem atentar melhor sobre os sentimentos que animam o
prosélito de Marx, verificará que esse sentimento, analisado à luz crua da
crítica, tem muito de misticismo e até de feiticismo.
É o homem, de novo, sob o domínio do terror, que
pre¬cedeu o monoteísmo e o cristianismo e de onde se originou todo o pavor do
infinito.
Tal é o fundo espiritual desta civilização, que finge
desde¬nhar do problema da causa e do fim. Essa a expressão do burguesismo
libertário, do capitalismo científico, do anarquismo e do socialismo.
* *
*
O equilíbrio do Homem e do seu "sentimento do
Universo" provinha exatamente do equilíbrio entre as duas forças, uma que
está dentro, outra que está fora de si.
Anulada uma, desaparecida a pressão exterior, rompe-se o
equilíbrio e efetiva-se o desdobramento dos planos interiores. É o mundo dos
instintos, são as formas larvares do pensamento, que passara a dominar sobre o
homem moderno.
Esses espectros de ideias conduzem o homem contemporâneo
à interpretação errônea da alegria e do sentimento do prazer e da dor.
Tudo se indefine. O prazer passa a ser uma forma de
sensação, sem limites bem traçados com a dor. É uma dor bastarda, como
afirmaria um notável escritor brasileiro. E, como todos os planos morais,
estéticos e políticos se baseiam na concepção do bem e do mal do agradável e do
desagradável, do útil e do inútil, do feio e do belo, e uma vez que o mundo
caótico dos instintos estabeleceu o tumulto crítico, a Humani¬dade vai hoje
caminhando sem disciplina, entregue a essas forças bárbaras que arrastam a
todas as degradações e a todos os crimes.
* *
*
Não admira que se afirme que a moral é um ponto de vista.
Não admira que se dê hoje ao amor entre o homem e a mulher uma finalidade
puramente egoísta. Não admira que se queira anular a personalidade em nome do
individualismo. Nem que se queira fazer uma coletividade infeliz, em
holo-causto a uma pura idéia abstrata, a uma pura concepção ideal de
coletividade feliz. Nem, ainda, que se persigam as religiões em nome da
liberdade. Que se venham mais tarde a perseguir os próprios indivíduos que
clamarem pela liberdade, em nome dessa própria liberdade. Que se atente contra
a afirmação integral do amor entre o homem e a mulher, em nome da liberdade do
prazer. Que se negue o direito dos pais, em nome da justiça social e dos
interesses de uma ideal coletividade. Não admira ainda que se suprima a
propriedade em nome dos próprios direitos da propriedade, como faz o
capitalismo, como pretende fazer o comunismo. Nem espanta que desapareçam todas
as garantias da lealdade e da honra, quando todos estão certos que a moral não
passa de um ponto de vista.
É que o Homem perdeu o senso do equilíbrio. E, per¬dendo
esse equilíbrio, torna-se um instrumento imperfeito de interpretação do
Universo e dos seus fenômenos.
* *
*
Estamos vivendo o grande período humano da confusão. E,
nesse estado de espírito, o Homem é triste. Profundamente triste. Todas as suas
barulhentas expressões exteriores não passam de dissimulações.
O mundo pagão, o mundo ocidental, o mundo livre,
libertado de todos os terrores religiosos, de todos os preconceitos morais, o
mundo opulento, que criou o arranha-céu e o "jazz", que proclamou
todas as liberdades, caminha soturno e trágico, como uma marcha fúnebre...
Plínio
Salgado
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Nota:
[1]
Extraído de: Madrugada do Espirito, 1946, in Obras Completas, Editora das
Américas, São Paulo, 1954 - VoL. 7, pág. 369.
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