Henri Favre
Os arqueólogos pouco a pouco
nos revelam toda a complexidade deste passado andino, na alternância de suas
grandes épocas de unidade com períodos não menos brilhantes de diversificação
regional.
Há mais de 14 mil anos,
pequenos grupos nômades percorriam a costa central do Peru, em busca de frutas,
raízes e caça, deixando como testemunho de sua passagem apenas raspadeiras e
buris (culturas da Zona Vermelha e de Oquendo), assim como algumas armas de mão
(cultura Chivateros) grosseiramente obtidas por percussão.
Após o recuo das grandes
geleiras andinas e a consequente desertificação do litoral, esses caçadores e
coletores fixaram-se na embocadura dos rios que desciam do flanco ocidental da
cordilheira. O esgotamento dos recursos vegetais e animais do meio natural,
atingido pela aridez, levou-os a explorar os produtos oceânicos e a se dedicar
às primeiras experiências agrícolas. Por volta de 3.500 a.C, nas pequenas
aldeias de pescadores, como Chilca e Paracas especialmente, plantavam-se
abóbora, vagem e algodão.
As pequenas coletividades
interioranas, tais como as que se abrigavam desde o VIII milênio nas cavernas
dos altos Andes, no Centro e Sul do Peru, desenvolvem por essa mesma época o
cultivo da pimenta, do amaranto, da quinoa e de diversas espécies de cucurbitáceas,
após terem domesticado a cobaia e a lhama, entre 4500 e 4000 a.C. À variedade
cada vez mais extensa de espécies cultivadas, cedo se acrescentou o milho, cuja
presença foi detectada na região de Ayacucho desde o III milênio, e que se
difundiu pela planície a partir de Huarmey, em 2500 a.C. A difusão dessa planta
rica em elementos nutritivos, cuja produtividade se intensificou por seleção e
hibridação, reduziu progressivamente a importância da caça, da pesca e da
coleta, tanto no litoral como no interior montanhoso, onde a agricultura
adquiriu posição preponderante entre as atividades de subsistência. No início
do II milênio, a cerâmica apareceu quase simultaneamente nas regiões situadas
entre Lima e Casma, e em Kotosh.
De qualquer modo, a
construção de grandes edifícios religiosos em pedra sobre o planalto, como o
templo das Mãos Cruzadas, em Kotosh (1500 a.C.), supõe um desenvolvimento
socioeconômico pelo menos igual àquele que permitiu, aproximadamente na mesma época, a edificação
das primeiras pirâmides em tijolos secos de La Florida e de Rio Seco (1800
a.C.) no litoral.
O advento da agricultura
acarretou transformações profundas e brutais na existência e no modo de vida
dos grupos sociais, afetando a demografia com uma súbita expansão, após
milênios de relativa estagnação. Os povoados, com efeito, murtiplicaram-se e
aumentaram em dimensões. Novos povoamentos, alguns dos quais se apresentavam
como grandes aldeias de mil habitantes, gravitavam em torno dos centros
cerimoniais, dominados por uma elite sacerdotal e formados por terraços,
pirâmides e templos.
A civilização Chavin (por
referência a Chavin de Huantar, no Callejón de Huaylas), que perdurou durante
todo o I milênio, parece ter sido produto da influência de um desses centros.
Ela correspondia a uma das variedades de cultura local identificada por um
estilo artístico associado a um novo culto que se difundiu, provavelmente,
pelos Andes inteiros. A imagem do jaguar ou do puma, em torno da qual se
cristalizava esse culto, expandiu-se muito rapidamente a partir de 900 a.C,
desde Pichiche, no norte, até Ocucaje, no sul, sem dúvida mediante
proselitismo. Ela aparece, com graus diversos de estilização, gravada em pedra,
modelada em argila, pintada sobre construções ou impressa em lâminas de ouro,
em lugares separados entre si por várias centenas de quilômetros.
Apesar da distância e dos
obstáculos do relevo que as isolavam, as novas sociedades agrárias adquiriram,
sob a direção dos sacerdotes de Chavin, uma unidade pelo menos ideológica que
conservaram durante muitos séculos e que selou definitivamente sua comunidade e
seu destino.