É possível
nomear aquele que já tem nome? É possível colocar-se como deus diante dos
homens e ditar seus caminhos? É possível chegar a uma terra e dizer que a
História começa com a sua chegada, como se os nativos estavam estáticos; sem
idioma, cultura ou organização própria como se estivessem parados no tempo e só
começassem a se movimentar com a chegada do europeu? É possível destruir
culturas que em muitos aspectos supera a sua? Os Espanhóis mostraram para a
humanidade que sim!
Quando os europeus chegaram ao continente
que denominariam América (A popularidade
trazida pelas narrativas das viagens de Américo Vespúcio converteu-o num dos
autores mais vendidos à época. Foi o cartógrafo Martin Waldseemüller quem primeiro nomeou
o novo continente de América em sua homenagem em 1507). Agora que
sabemos porque nosso continente traz um nome de um europeu ao invés de um nome de
um herói ou deus nativo, vamos olhar um pouco para o homem que foi o primeiro
europeu a chegar a América, no ano 1000 dc Erik o Vermelho um Viking. Ele chegou
à costa do atual Canadá e EUA, aonde denominaram a terra de Vinland devido ao
grande número de vinhas ali encontradas, mas devido à distância impediu que
realizassem um contato mais freqüente com o continente. O ponto do continente
onde mais permaneciam é hoje a denominada Ilha da Groenlândia aonde na época
chegaram a cultivar cereais em toda parte sul da ilha devido ao clima local
mais ameno que o atual.
Agora falaremos de quem oficialmente segundo eles mesmos foram os primeiros
europeus a chegarem na nomeada América, falaremos de Colombo e sua chegada ao
novo continente, e sua repercussão no mundo que pensavam na época ser bem menor
e isso se dava não só na Europa em relação ao restante da Ásia e África, mas
também aqui na América onde os povos nativos não se conheciam em sua
totalidade. O desembarque de Colombo é um símbolo de um grande processo, cuja
conseqüência é a globalização da humanidade. Segundo o autor Miguel Leon
Portilla nós americanos só podemos comemorar esse acontecimento e não celebrar,
porque nesse processo houve abusos e a morte de 50 milhões de nativos. O mesmo
número de mortos que houve na II Guerra Mundial. Engraçado ninguém lembrar
disso? Mas devemos comemorar, pois não podemos permitir que esse fato horrendo
ocorrido com os nativos caia no esquecimento.
Outro problema a ser abordado é alguns conceitos inseridos pelos europeus
aos nativos, como certas terminologias errôneas. Quando Colombo teve o primeiro
contato com os nativos chamou-lhes de “Índios”. Essa denominação surgiu porque se
julgou terem chegado às Índias e por isso passou a se chamar de índios aos
habitantes da região. Uma denominação errada que não foi corrigida mesmo depois
de descobrirem que não estavam nas Índias, pois não se deram ao trabalho de
respeitar a designação que cada povo tinha e mantiveram a sua absurda
nomenclatura. No período colonial, índio para o espanhol era aquele que deveria
trabalhar nas minas, cidades e fazendas, ser reconhecido como índio era
sinônimo de trabalho compulsório para aqueles de sangue e cor de pele que
consideravam inferiores, bem apropriado para o colonizador espanhol branco.
Dentro do mesmo problema temos a designação de “altas culturas” que era aplicada
pelos europeus somente aos povos da Confederação Asteca e ao Império Inca que
sobrepujaram outros povos das suas respectivas regiões. Enquanto o correto é
que todas as sociedades americanas que passaram pelo processo de adoção da
agricultura extensiva e da revolução urbana deveriam receber essa designação.
Abordando a terminologia altas culturas da outra forma da se uma impressão de
dominação política dos Astecas e Incas sobre os outros povos. Tanto Astecas
como os Incas, no período anterior as suas expansões, eram tribos no mesmo
estágio cultural que seus vizinhos e em certo momento, chegaram a estar a eles
subordinados. Por um processo especifico, e numa expansão rápida, passaram a
subjugar, dominar e tributar outros povos, outrora seus iguais. Desta forma
identificar somente Astecas e Incas como as altas culturas é esquecer a rede de
dominação e tributação construída por estes Estados, além de referir-se a
culturas que se tornaram hegemônicas e dominantes a partir de uma expansão
militar, e não por uma suposta sofisticação cultural própria e autônoma. Outro
termo avassalador para aqueles que almejam o respeito aos nativos da nomeada
América é o Pré-Colombiano, pois essa expressão supõe que estas sociedades não
têm História e que, no máximo, a História se inicia com a chegada do europeu
civilizado e culto. Posicionando como marco da História da nomeada América é a
chegada de Colombo e com ele veio a forma civilizada de viver.
Quando estudamos o Império Inca (América do Sul) e Asteca (América Central)
nos é revelado a existência de sociedades extremamente complexas e
hierarquizadas com mitologia e religião próprias a sua realidade.
A Confederação Asteca tem sua origem na cultura mãe da civilização
meso-americana a cultura Olmeca (um exemplo de sua cultura é o centro
cerimonial de La Ventana) e seus predecessores. Os mexicas provenientes do
norte instalaram-se no vale do Anahuac em 1168 as margens do lago Texcoco e
assimilaram para sua cultura muito da cultura Olmeca. O conflito pela terra com
as cidades vizinhas leva-os lentamente a vitórias consecutivas onde foram
edificando templos, casas, palácios, aquedutos e montou-se uma burocracia
estatal e hierarquizou-se a religião. Sua economia baseava-se no modo de produção
tributário que exige que as comunidades aldeãs extraiam da terra o alimento
necessário para sua auto-sustentação e a manutenção da Classe-Estado.
Teotihuacán era sua capital e era composta por um conjunto arquitetônico ligado
por diversas estradas. O fim de sua civilização veio com a chegada de Hernando
Cortes um navegado Português a serviço da coroa espanhola que esteve no México
em 1519, em expedição onde submeteu os Astecas tornando-se governador geral do
México em 1521. Praticou uma serie de castigos aos nativos da região,
tornando-se famoso por suas crueldades.
Falaremos um pouco sobre o Império Inca que não foi nada mais nada menos
que o sucessor de culturas anteriores, períodos em que as autoridades centrais
conseguiram controlar as comunidades das montanhas e costeiras. O Horizonte
(Império) Primitivo era centrado em Chavín de Huantar um templo nas montanhas
lestes que teve seu apogeu a uns 3000 anos atrás, quando influenciou outras
colônias da região. No Horizonte (Império) Médio temos Tiahuanaco perto do lago
Titicaca na Bolívia e Huari no atual Peru, ambos foram verdadeiras colônias
urbanas de Estados de vasta extensão há 2500 anos atrás. No Período
Intermediário Tardio que corresponde aos séculos imediatamente anteriores a
expansão inca, tinha sido um tempo de guerras. A expansão inca daria se por
meio de 8 comunidades que procediam da região Colha próxima do lago Titicaca,
de língua aimará. Apos submeterem as populações locais de língua quíchua
concentraram esforços em dominar o vale onde construiriam sua futura capital.
O Império Inca, respeitando as antigas funções das comunidades aldeãs
chamadas ayullus, incorporou militarmente outros estados impondo uma unidade
política, econômico-social e religiosa, justificando a denominação de Império.
A ideologia transmitida pelos incas aos povos submetidos referia-se ao soberano
como filho do sol que lhe outorgava proteção divina. Sendo assim o Império Inca
era apresentado desta forma: os historiadores oficiais escreviam duas
historias; uma para a hierarquia e outra para o povo. Na segunda versão se
excluía tudo o que pudesse diminuir o respeito e a fidelidade ao soberano, a
História foi deliberadamente falsificada para divinizar o inca e tornar sua
vontade a dos deuses.
Fato interessante em relação às conquistas incas é a apropriação e
adaptação de costumes e técnicas de outros povos a sua sociedade. Aquilo que
encontrassem em uma cultura que fosse ser útil ao Império eles utilizavam, um
exemplo é o sistema de correio e o sistema numérico através de cordas que foram
assimilados da cultura Chimu pelos incas conquistada. A partir de Cuzco o
Império estava dividido em duas partes subdivididas em quatro. Nas regiões
rebeldes os incas designaram governadores para substituir o senhor natural. O
Império organizava sua economia pelo sistema de Mita que correspondia ao
serviço prestado ao inca nas mais diferentes formas. Como na função de
soldados, na agricultura, no trabalho de pedreiros, todos eles constituíam
dispêndio de energia em beneficio do Estado, devidos, em proporções diferentes,
por quase todos os grupos étnicos incorporados pelos incas (Tahuantinsuyo:
Quatro cantos). Não havia doação ou pagamento de qualquer coisa com seus
próprios recursos se não contarmos as terras cultivadas em beneficio do Estado.
Os únicos itens cedidos em espécie ao estado eram fornecidos por aqueles que
não haviam constituído família. A real grande renda do Estado consistia na
prestação de energia e tempo gasto em beneficio do Estado num grande numero de
empreendimentos.
Outra política utilizada pelos incas para manter o controle sobre os povos
conquistados era o reassentamento que funcionava num sistema de deportação da
população local para outro local e suas fazendas eram concedidas aos mitmacs
(povos fieis aos incas e que manteriam a região sob vigilância e controle dos incas).
Esse processo foi intensificado com a expansão rápida, pois a necessidade de
povos fieis em meio a recém conquistados se fazia necessária. Para contabilizar
a produção os incas utilizavam os quipos, longos cordões aos quais eram
amarrados cordõezinhos onde se faziam diferentes tipos de nós, como sinais que
eram usados tanto na contabilidade como para registrar fatos históricos.
O Império Inca, igual ao Asteca ou ao Maia, era um sistema
econômico-politico-ideologico que tinha como base o modo de produção tributário
avançado, baseado na exploração da comunidade aldeã por uma classe-Estado,
formada por sacerdotes, guerreiros e burocratas. O socialismo no Império Inca
como proposto por diversos autores não passa de uma ilusão, pois se o
socialismo é o ato pelo qual todos os bens de uma sociedade são distribuídos de
modo eqüitativo entre todos os seus membros isso não se refere ao Estado inca
onde na região do Titicaca o Estado exigia 80 mil cabeças (lhamas, Guanacos,
Vicunhas e Alpacas) por ano para cada 15 mil tributados. Se isso corresponde a
um sistema socialista não compreendo como devo denominar um sistema opressor.
O conquistador Espanhol Francisco Pizarro foi o carrasco dos incas, pois em
1530 desembarcaram em San Mateo e atingiram Cuzco, apoderando-se da cidade e
capturando o inca Atahualpa, que ficou prisioneiro como refém. Os espanhóis
assassinaram traiçoeiramente Atahualpa, originando lutas, que terminaram coma a
vitória dos conquistadores. Pizarro recebeu o título de marquês com jurisdição
até os confins da nação inca. Sua crueldade e orgulho desmedidos empanaram suas
qualidades militares e seu arrojo.
Quando chegaram no continente que seu egocentrismo nomeou América os
europeus somente queriam três coisas metais preciosos, especiarias e expandir a
fé cristã. Todos esses três itens em detrimento de qualquer coisa ou até mesmo
pessoas que se opusessem a eles ou simplesmente estavam no caminho deles. Não
pouparam crianças, idosos e mulheres nesta devastadora jornada da ganância.
Quando abordamos os quesitos de metais preciosos e especiarias nossos invasores
não tinham a menor idéia de respeito à natureza como também não tinham pelos
nativos. Agora quando falamos de expansão da fé Cristã não podemos aceitar como
dizem alguns autores que a religião legitimou toda a barbárie e usando da
Bíblia esses autores se valendo de trechos isolados colocam o Homem Cristão
servo de um Deus Antropocêntrico que permite ao mesmo utilizar a natureza como
quiser até mesmo destruí-la por completo, não vou citar versículos, mas é
notório ao mais leigo cristão praticante que as Sagradas Escrituras jamais
legitimam a destruição da criação de Deus. É algo contraditório com a natureza
divina e sua própria palavra. Os espanhóis mataram, estupraram, torturam e
mutilaram em nome de sua própria ganância, em nome de sua luxuria, em nome da
coroa e de seus reis. Tudo o que fizeram foi simplesmente porque sabiam que
sairiam impunes que não havia nada nem ninguém para os impedir, pois o que
faziam segundo o conceito que a eles foi dado era em nome do progresso do reino
do povo desse reino que os receberia como heróis por mais desumanos que fossem.
A fé pode ter sido uma mola propulsora que levou o homem às terras distantes,
mas nunca legitimou a desumanidade e a destruição da natureza.
Os eurocentristas (aqueles que consideram ter sido benéfica a chegada dos
europeus ao novo continente e que esse continente não era civilizado) ignoram
qualquer possibilidade do surgimento na América de algum povo civilizado.
Desconhecem que, enquanto os camponeses morriam de fome durante o feudalismo
europeu, Estados centralizados construíam na América complexas obras
hidráulicas, controlavam o tempo através do calendário, conseguiam alimentar
decentemente todo o povo, que possuíam aposentadoria, pública e gratuita, ou
que as primeiras universidades envolvidas com a tecnologia da produção de
alimentos surgiram fora da Europa ocidental. Partindo desse pensamento supomos
que o sentimento Europeu em relação aos povos nativos era de medo, por
encontrar tão vasto conhecimento e riquezas pertencentes a pessoas que pensavam
tão diferentes e estavam tão distantes do mundo Europeu e possuíam ciência,
tecnologia e organização social superior a sua. Os americanistas encontraram
nas instituições sociais existentes antes da chegada dos Europeus idéias
defendidas na Europa pelos iluministas como: preocupação cientifica,
modificação social, critica a realidade existente, luta contra o poder e o
obscurantismo. Muitos dos ideais de reciprocidade, liberdade, fraternidade e
solidariedade, perseguidos pelos homens da Revolução Francesa, lemas esquecidos
nas comemorações européias estavam presentes entre astecas, maias e incas.
Sem sombra de dúvidas as sociedades existentes no continente denominado
pelos europeus América não eram o paraíso na terra no qual os Espanhóis
esperavam encontrar, pois a exploração dos camponeses pelas classes que
controlavam o Estado era algo comum entre os povos astecas, maias e incas. Mas
essa mesma classe que explorava também protegia as comunidades contra ataques
exteriores, fome, doenças ou frio sendo capazes de organizar as estruturas
produtivas para conseguir alimentar decentemente milhões de pessoas, fato que
nenhum Estado moderno latino-americano baseado nos moldes dos “desenvolvidos” e
“cultos” europeus conseguem repetir hoje. Com certeza ainda temos muito o que
aprender com os nativos, pois se tivéssemos seguido o modelo desses povos a
América Latina poderia ser um diferencial no mundo do capitalismo “selvagem”.
Mostrando ao mesmo que o modelo socioeconômico e cultural europeu não é o
senhor da verdade e muito menos da igualdade.