“Livros não mudam o mundo,
quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas.”
Mário Quintana
Mário Quintana
Descartes considerava o bom senso ou a razão a coisa do mundo a melhor
compartilhada, de tal maneira que a capacidade de discriminar o verdadeiro do
falso torna todos os homens, independentemente de sexo, cor ou religião,
iguais. A razão é formalmente igual em todos, o que os distingue é a sua
aplicação, pois essa deriva de costumes, da religião, dos conhecimentos
adquiridos, daquilo que ganhou o estatuto de verdade, embora não o seja. A
razão iguala, as opiniões diferenciam os homens. O problema consiste, porém, em
que essas opiniões podem impossibilitar a ciência, a filosofia e o próprio
convívio regrado e pacífico entre os homens. O espetáculo do mundo nos oferece
freqüentemente cenas de violência e intolerância, nascidas de preconceitos que
querem se impor pela força, na ausência de questionamentos e, sobretudo, do
exercício da razão.
Eis por que Descartes procura estabelecer um método que possa ser
seguido por todo e qualquer homem, independentemente de época, opinião, crença,
costumes ou sexo. Um método que poderia ser utilizado por qualquer indivíduo
sempre e quando estivesse disposto a fazer uso da sua razão e abandonar meras
opiniões que não teriam nenhum fundamento sólido de sustentação. Um método que
permitiria que o edifício do conhecimento se construísse sobre bases sólidas,
que não poderiam ser demolidas por opiniões impertinentes. Um método voltado,
então, para a busca da verdade e não da verossimilhança. E quando dizemos busca
da verdade, referimo-nos a um livre exercício da razão, que pode ser
publicamente reproduzido por qualquer um, de tal modo que desse exame público,
coletivo, possa surgir um conhecimento indubitável. O encontro com a verdade
não tem nada de dogmático, ele significa somente um encontro da razão consigo
mesma num procedimento livre e metódico.
Descartes expõe a sua experiência de vida como uma experiência
filosófica, que possa ser imitada por qualquer um no livre uso de sua faculdade
de discriminar o verdadeiro do falso. Trata-se, portanto, de um uso público da
razão, que tem como ponto de partida o reconhecimento de que a ignorância
impera naquilo que se considera como conhecimento, isto é, na ciência e na
filosofia, com todas as suas repercussões do ponto de vista da ação humana. Ao
se instruir, nosso jovem filósofo teve de descartar todas as verdades
recebidas, pois essas, sob exame, se mostravam meras crenças sem fundamentos.
No entanto, somente uma época que aceita como principio a liberdade de julgar
pode dar inicio a uma nova retomada do pensamento: ela vai começar com o
“discurso do método”.
“E assim resulta que nossas
idéias ou noções, sendo coisas reais e provenientes de Deus em tudo que possuem de claro e distinto, só
podem nisto ser verdadeiras”.
Descartes, René. Discurso do Método. Porto Alegre: L&PM, 2009