O espírito do mal não
declara abertamente o que pretende destruir. Finge-se moralista, fala a
linguagem do pansexualismo freudiano, pregando a libertação dó indivíduo dos
recalques que diz perniciosos à saúde. Finge-se salvador das classes oprimidas
nas quais destila o ódio, que nada constrói. Diz-se até defensor da religião,
por cuja liberdade afirma bater-se e assim
consegue de muitos perigosa complacência. Anuncia-se o grande libertador:
liberta os filhos do respeito aos pais e os pais das obrigações perante os
filhos; os cônjuges da fidelidade recíproca e dos laços do matrimônio; os ricos
do dever de acudir aos pobres; e todos e cada um do amor do próximo e de Deus.
É ele, o eterno rebelado, que entra nas vossas casas, sob a forma dos livros da
literatura corrente — a brochura divulgadora da ciência barata, o romance a
esvurmar
misérias subjetivas
contagiosas, a poesia dissimulando na decomposição expressional um
subromantismo corruptor, o ensaio crítico, sociológico ou político, deitando o
fumo da confusão, as revistas ilustradas exaltando o nudismo das estrelas de
cinema e a exibição da alta sociedade a acender nas cabecinhas oxigenadas ou
platinadas uma sede de luxo entontecedora.
É ele quem pontifica
nos teatros, utilizando-se da técnica mais eficaz para impressionar o
subconsciente com a sugestão de quadros e atitudes deletérios de que se vestem
as teses de rótulo meritório; é ele quem prepara certos trechos de filmes
cinematográficos de requintado
realismo sincronizado
contra o qual os espíritos mais fortes dificilmente conseguem reagir; é ele
quem desenvolve o
conceito da moral utilitária, baseada no falso direito da satisfação dos
apetites individuais; é ele quem se erige em advogado dos direitos da mulher,
pretendendo torná-la competidora ridícula do homem no exercício de atividades
inadequadas, inspirando-lhe repúdio à proteção paterna ou conjugai, a fim de
colocá-la, pelas condições fisiológicas que estruturam os peculiares
instrumentos da sua sensibilidade, numa posição indefesa que a conduz à queda
fácil, à degradação do espírito e do corpo e à escravização deprimente cujo
epílogo é a disponibilidade compulsória e o desprezo geral quando soar o fim da
mocidade
e dos encantos
físicos.
Salgado, Plínio.
Primeiro Cristo, Editora Voz do Oeste/MEC, São Paulo, 1979.